O desafio que você vai querer encarar: um trekking à Laguna 69, no Peru.
- 09 de setembro de 2016
Quando vimos uma foto daquele cenário azul turquesa da Laguna 69, colocamos na cabeça que um dia teríamos que tirar a prova se aquilo era de fato real ou filtro de Instagram. Foi quando surgiu uma viagem de trabalho ao Peru, e assim a oportunidade de dar uma esticadinha no feriado e fazer o passeio pra conferir de perto aquela belezura. Tiramos a passagem do Dani por milhas pela TAM (30.000 ida e volta), e começamos a planejar tudo. Como eu já conhecia Machu Picchu (uma viagem no longínquo ano de 2007), decidi que era a hora de desbravar esse novo – e não menos desejado - roteiro peruano. Neste post vamos dar dicas da laguna 69 e de toda logística para essa viagem para Huaraz, na Cordilheira Blanca.
Passei então a ler os riquíssimos relatos de diversos blogs de viagem pra começar a organizar nossa ida. Confesso que desanimei um pouco diante de toda a logística necessária, da escassez (ou falta mesmo) de hotéis bons, e das ressalvas sobre a extrema dificuldade da trilha que leva à Laguna. Mas como não desistimos fácil das coisas, encaramos o desafio de frente e lá fomos nós (ainda bem!).
A aventura começou em Lima, uma cidade urbana, sempre cinzenta (exceto nos meses de janeiro a março), mas que cativa por sua ampla oferta da mais alta gastronomia. Ao final, farei um breve relato dos restaurantes que tivemos a oportunidade de conhecer. Mas antes, voltemos à Laguna...
Esse tópico é bem importante, já que não é uma região tão próxima de Lima, e praticamente inviável de se chegar por avião. Até existem voos que partem de Lima à Huaraz, mas soube que não são a melhor opção, principalmente se estiver em época de chuva (a não ser que você queira encarar uma turbulência de aterrorizar e correr o perigo notório de voar sobre essas montanhas). A época de chuvas vai de novembro a abril, mas demos a sorte de não pegar um pingo sequer, e os dias foram realmente lindos.
Como sabíamos que o transporte rodoviário é famoso e seguro no Peru, decidimos que nossa melhor alternativa seria encarar o trajeto de 8 horas até a cidade de Huaraz em um ônibus leito. Existem diversas empresas que saem praticamente todos os horários de Lima, mas descobrimos o serviço de “supercama” da empresa Movil Tours (http://www.moviltours.com.pe/): poltronas no segundo piso que reclinam 180 graus, serviço de bordo e entretenimento, e a garantia de uma noite tranquila de sono. Essa passagem custou um pouco mais que as demais (115 soles por pessoa), mas ao mesmo tempo nos economizou duas diárias de hotel, uma na ida e outra na volta.
Não precisa chegar com muita antecedência à estação se você estiver com o bilhete comprado, já que os ônibus saem no horário agendado e não há procedimento de check in (apenas a impressão e retirada do ticket no guichê, o que é bem rápido).Sugerimos reservar assento no meio do veículo, pois fomos informados de que na frente e atrás você sente mais o movimento do ônibus, já que está em cima das rodas.
Saímos de Lima às 11 pm e desembarcamos em Huaraz às 7 da manhã. Ao chegar lá, nosso motorista, enviado pelo hotel, estava nos esperando.
O percurso da “rodoviária” para o hotel é feito em taxis (muito) precários (como praticamente todos no Peru), e demora cerca de 2 horas, sendo parte dele em estrada de terra. Vou explicar o porquê desse longo trajeto e a razão de termos optado por ficar onde ficamos.
Essa foi a parte mais difícil de toda a viagem. Pelos relatos dos blogs e pelas várias opções que pesquisamos, sabíamos que íamos ter que encarar uma acomodação muuuuuuuuuuito simples, em uma cidade que não tinha absolutamente nada de interessante (ao menos em nossa opinião). Isso porque Huaraz é a base geralmente recomendada para fazer todos os passeios, inclusive o famoso da Laguna 69. Cheguei a fazer algumas reservas em hotéis que jamais recomendaria, a não ser por pura falta de opção.
O melhor que encontramos (e realmente parece ser bem bonitinho) foi o Cuesta Serena , que depois descobrimos ser da mulher do dono do hotel que acabamos ficando, o Llanganuco Lodge . Decidimos ficar nesse hotel pela proximidade das trilhas.
* Por exemplo, se você ficar em Huaraz, gastará ao menos 2 horas para ir e mais duas para voltar em traslados para poder chegar à base das montanhas. Já no nosso hotel pudemos realizar duas trilhas que partiam de lá mesmo, e para a Laguna 69 foi necessário ir de carro só por 40 minutos (se fosse de Huaraz, seriam quase 3 horas).
Mentalizamos o seguinte lema para essa viagem: “não quero luxo, nem lixo”...e foi exatamente esse o retrato de toda a experiência.
O Llanganuco Lodge chegou inclusive a nos surpreender em alguns aspectos, a começar pelos quartos, que eram bem espaçosos. O visual que o cerca também trazia uma paz imensa, pois era montanha pra tudo quanto é lado. O por do sol era de encher os olhos e, o ponto alto: a comida, um capítulo à parte.
A tarifa (150 dólares) é all inclusive. Isso significa que éramos servidos um delicioso café da manhã com frutas, chás, torradas e ovos mexidos, em uma simpática mesa ao ar livre, sentindo os primeiros raios de sol da manhã fria.
Antes de partirmos para as trilhas, éramos contemplados com uma marmita contendo sanduíches, mix de castanhas e frutas pra comermos durante os passeios.
Às 18:30h, horário que já estávamos morrendo de fome, já de banho tomado e bastante cansados por causa das trilhas, o chef Sósimo servia o jantar: um menu de 3 passos, incluindo entrada, prato principal e sobremesa. Ficamos impressionados com a qualidade, tempero e requinte das refeições, principalmente por ter sido em um lugar em que jamais esperávamos comer tão bem. Nota mil pro Sósimo e pro Charlie, dono do hotel (ele, aliás, é uma figura: um inglês que largou tudo em Londres para se aventurar pela América do Sul).
Ele deixou a gente fazer early e late check out, já que tinha disponibilidade, e não nos cobrou nada por isso. Uma verdadeira gentileza, que acho que todo gerente de hotel devia aprender e proporcionar sempre que possível.
*Vale pra nota de rodapé algumas observações sobre coisas que poderiam ser melhoradas no hotel: não é problema nenhum não ter energia das 8 às 16h, já que o hotel traz um conceito ecológico, utiliza luz solar, e também porque a água é aquecida a gás, então isso não faz a menor diferença(e também porque passávamos esse período todo fora do hotel). O problema era ter que lavar o cabelo e não ter absolutamente como secar em um local extremamente frio. Outro inconveniente era o fato de não ter aquecimento no quarto, nem onde carregar os acessórios (essenciais!!) de viagem, como baterias da máquina e celular, pois não havia uma tomada sequer no quarto. Aliás, também não há wifina propriedade. Lá o lema é “talk amongst yourselves. Youwill leave us feeling more connected” (de fato, não sentimos qualquer necessidade de acessar a internet. É bom às vezes se desligar do mundo)...
Fora isso, consideramos que foi uma excelente escolha. Conhecemos gente de várias partes do mundo e tivemos a oportunidade de trocar algumas experiências, já que o jantar era sempre servido em uma parte aconchegante do hotel, à beira de uma lareira, e em uma mesa na qual todos acabavam se socializando.
Dia 1: A região da Laguna está a quase 5.000 metros de altitude. Por isso, é extremamente importante reservar ao menos 3 dias pra poder fazer os passeios com calma e poder se aclimatar. Caso contrário, é praticamente certo de sofrer o mal das montanhas (o famoso “soroche”), e passar o tempo todo com náuseas e dor de cabeça. Felizmente, nem eu nem o Dani sentimos sintomas muito fortes, mas todas as outras pessoas que conversamos relataram estar sentindo algum tipo de incômodo.
Assim que chegamos ao hotel, fomos recebidos com um café da manhã de boas vindas do Charlie, que nos sugeriu os passeios que poderíamos fazer. Ele recomendou que fizéssemos primeiro uma trilha somente de descida a partir da Laguna de Llanganuco, para podermos nos acostumar com a altitude. Achamos prudente contratar um guia, que nos cobrou 80 soles (a diária). Gostamos tanto que acabamos contratando o Reinaldo por toda a viagem. Além de guia, ele é uma excelente pessoa e fotógrafo, e pudemos até dispensar o timer e o tripé...rs.
Além disso, um guia é importante (obviamente) para poder indicar o caminho, que não é sinalizado, e para você ter a noção se está chegando ou não, pois isso faz uma diferença psicológica enorme, pode acreditar.
Com nosso lanche em mãos, fomos então para Llanganuco de táxi, que compartilhamos com um casal alemão (não quisemos encarar nesse primeiro dia uma subida). Custou 10 soles por pessoa. O táxi nos levou direto à lagoa, que tinha um tom lindo azul esverdeado, onde aproveitamos pra fazer um mini passeio de barquinho (5 soles pra cada). Infelizmente, nesse dia nossa gopro estava descarregada, mas conseguimos tirar algumas fotos com a câmera normal.
*Inclua no orçamento 10 soles por dia de passeio para pagar o ingresso do Huascarán National Park, que dá acesso às trilhas.
A trilha que se seguiu não era muito interessante, um pouco de mata densa e fechada, e não tinha muito para ser visto, a não serpoucas quedas d’água. Se soubéssemos, teríamos passado um pouco mais de tempo na lagoa.
Essa primeira trilha foi tranquila, mas de fato estávamos um pouco cansados e talvez sentindo os únicos sintomas que experimentamos durante todos os passeios: um pouco de tontura, mas nada demais. A trilha foi de 2 horas, e nos levou de volta até o hotel.
Chegando lá, aproveitamos para descansar um pouco e tomar nossa primeira garrafa de vinho (que, aliás, você pode levar desde Lima, pois o Charlie mesmo explica no site que os hóspedes podem ficar à vontade para levarem o que quiserem). Essa primeira degustação foi feita presenciando um por do sol, acompanhados pelas duas alpacas do hotel, que mais parecem bichos de estimação de tão dóceis. Aliás, o Charlie tem doiscachorros lindos e extremamente educados, que compõem o cenário. Fomos dormir super cedo, logo depois do jantar.
Dia 2: Acordamos por volta das 8h e fomos fazer a trilha “Ices of Huandoy”. Ela é bem mais pesada, praticamente toda de subida na ida, mas já com um visual bem mais interessante do que aquele do dia anterior.
A trilha saía do hotel e passava por uma linda laguna (Keushu), a 200 metros dele. Lá pudemos ver algumas ruínas ainda da época dos incas, e encontramos também algumas ossadas dopovo que viveu por lá, ainda preservadas.
Foi bastante desafiador encarar a altitude conforme íamos nosaproximando da geleira, que ficava a quase 4 mil metros...esse, para nós, foi o dia que nos sentimos mais exigidos fisicamente, tanto que nossa água quase acabou na primeira parte do trajeto. O percurso tinha um cenário bem bonito e agradável, e as geleiras não chegaram a nos surpreender muito, já que estavam bem acinzentadas.
Mas todo o esforço valeu para nos preparar para o desafio ainda maior do dia seguinte: a Laguna 69.
A subida durou 2h10, e para descer fizemos em pouco mais de uma hora. Chegamos ao hotel por volta das 15h, e repetimos o mesmo ritual do dia anterior (dessa vez sem o vinho, pra não comprometer nosso desempenho para o grande dia!).
Dia 3: Esse dia começou mais cedo, e saímos do hotel às 8h da manhã. Queríamos chegar o mais cedo possível pra não encontrar muita gente na trilha, mas depois descobrimos que não são muitos os aventureiros a encarar esse desafio.
*O trajeto de taxi até a entrada do parque durou 40 minutos, e custou 120 soles. O motorista fica esperando até que você chegue do trekking, e te leva de volta ao hotel.Dica: no caminho, você encontrará diversas lagoas lindas. Não hesite em pedir para o seu taxista parar para poder tirar algumas fotos. O visual é incrível.
Os primeiros 50 minutos de caminhada são bem leves, em um cenário bem bucólico: rios, montanhas nevadas e vaquinhas peludas por toda a parte rs.
*Vimos algumas placas indicando o caminho, mas ficamos tranquilos por estar com guia, já que ouvimos relatos de pessoas que se perdem e que não conseguem chegar à Laguna.
Depois é que o bicho pega. Você começa a subir, subir, subir,subir, até não poder mais. Quando finalmente você chega à parte plana e acredita estar próximo do seu destino.......pegadinha do malandro!!! Rsrs. Você caminha mais uns 20 minutos até descobrir que o pior ainda está por vir: uma subida em ziguezague, muito íngreme, e que te obriga a parar a cada 15 segundos pra recuperar o fôlego rs (Daniel está comentando que a cada 15 segundos é exagero...tá bom, a cada 20! Rsrsrsrs).
Nesses momentos é que podíamos perceber o tamanho da beleza que nos cercava: montanhas, cachoeiras, lagunas...Aproveitávamos a desculpa de tirar fotos pra descansar ainda mais, sempre com nosso fotógrafo particular, o Reinaldo.
Em determinado momento, achei que não ia conseguir continuar, mas segui graças ao incentivo do guia, que nos lembrava de que falta muito pouco. Ele era importante também para marcar nosso ritmo, que acabou sendo muito bom, surpreendendo bastante até quem está acostumado a fazer essas trilhas, como o Charlie. Fizemos em 2h50 a subida. Soubemos que muitos desistem no meio do caminho, e sequer chegam a ver a maravilhosa Laguna 69. Uma pena.
* É importante lembrar que o caminho é cheio de pedras, muitas e muitas delas. Por isso é essencial estar com botas especiais de trekking, pra não se sentir tão inseguro a ponto de torcer o pé ou escorregar e também pra diminuir o impacto sobre seus pés.
Bom, a chegada à Laguna mais parece uma miragem. Você a vê um pouco de longe e, ao se aproximar, não sabe se perde o fôlego ou se o recupera, já que a vista é estonteante.
Aproveitamos pra fazer um lanche, tirar dezenas de fotos, e também descansar. O Dani foi preparado pra pular na lagoa, mas desistiu nos primeiros cinco segundos que botou a mão naquela água impressionantemente azul e gelada. Mas tem alguns malucos que encaram. Talvez em julho, quando faz mais calor, seja possível. Também é nessa época que a Laguna fica ainda mais linda e transparente...então, se eu fosse recomendar alguma época, certamente seria de junho a setembro.
Ficamos lá apreciando o cenário por quase uma hora, entre o entra e sai do sol, e até decidirmos encarar o percurso de volta.
Fizemos então a descida em 1h40...na hora que você estiver voltando, vai lembrar daquele famoso ditado “pra baixo todo santo ajuda”....rsrsrs. À medida que descíamos, não podíamos acreditar no tanto que tínhamos subido. Foi inacreditável.
Desta vez a miragem foi quando vimos o estacionamento de taxis, já exaustos, mas incrivelmente menos cansados do que no dia anterior. Não sei explicar ao certo de onde tiramos fôlego pra chegar até lá. Talvez seja a Laguna 69 que tenha nos energizado.
Foi uma experiência realmente gratificante, que valeu muito a pena não só pela beleza estonteante do parque e da própria Laguna, mas também pela satisfação de termos conseguido superar nossos limites pra conhecer um lugar tão diferente de tudo que já havíamos visto antes. Uma viagem que ficará, sem dúvidas, na memória.
Pra fechar com chave de ouro, não pudemos deixar de acompanhar outro por do sol, regado a muito vinho para comemorar nosso mais recente feito.
* Muita gente vai ler esse post e morrer de medo de não dar conta de completar o roteiro. Mas eu digo: vá, que vai dar tudo certo! Tente se exercitar com mais frequência antes de ir, se puder. Troque o elevador e comece a subir as escadas pro seu apartamento...faça longas caminhadas na esteira com uma inclinação mais elevada. Isso tudo vai ajudar no seu preparo e você vai conseguir curtir ainda mais a trajetória até a Laguna. Infelizmente, no meu caso, estive trabalhando tanto que não pude me preparar, de fato. Mas não foi um bicho de sete cabeças. Tanto que hoje eu voltaria lá com toda certeza desse mundo, certa de que essa foi uma das grandes experiências que vivemos!
No site do Llanganuco Lodge, você pode encontrar várias informações interessantes sobre todas as trilhas, e também conselhos de tudo que deve levar. Particularmente, eu reforçaria a importância de:
* A quantidade vai depender do número de dias que você vai ficar por lá:
- Tênis de trilha apropriado (melhor ainda se for bota; acredite, se for de tênis normal, você vai sentir cada pedra debaixo do seu pé e correr o risco de torce-lo)
- Meias grossas (super importantes pra evitar dar bolhas e calos)
- Blusinha/camiseta (pra quando o calor apertar no meio da trilha)
- Blusa térmica (pra quando bater aquele ventinho mais fresco, mas você ainda não estiver com tanto frio)
- 1 fleece (se já estiver diminuindo a temperatura)
- 1 casaco grande (dependendo da época, preferencialmente à prova d’água)
- Protetor solar (o sol é muito forte por lá, por mais frio que esteja; se não usar protetor, vira camarão com certeza)
- Chapéu (esquecemo-nos de levar e queimamos muito!)
- Tênis e roupas confortáveis pra ficar no hotel + chinelos
- Pijama (de preferência um bem quentinho)
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